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Capítulo 1: O Cristianismo Grego e Romano

Os primeiros líderes da Igreja tinham opiniões diferentes sobre quase todos os assuntos. Contudo, a maioria deles criam na reconciliação universal durante pelo menos os primeiros quatro séculos. As suas visões sobre esses assuntos não são tão importantes quanto a própria Escritura, é claro, mas muitos questionaram esta doutrina, dizendo: "Se ele é realmente um ensinamento verdadeiro, então por que não há mais igrejas ensinando isso hoje em dia"? Este livreto responde a essa pergunta ao mostrar como o ensino da reconciliação universal passou a ser desacreditado no início do século V devido às rivalidades político-religiosas sobre questões que, muitas vezes, tinham pouco a ver com o próprio ensinamento.

Até os meus 23 anos, eu também não fazia ideia de que existia qualquer outra visão para os perdidos a não ser o fogo do inferno. Foi então que li a primeira página de um livro que defendia a reconciliação universal e, horrorizado, não toquei mais nele nos oito meses seguintes. Não adiantou. Era tarde demais: agora eu sabia que a visão existia, e sempre que lia a Bíblia, via dezenas de passagens ensinando-a. Os meus olhos haviam sido abertos, e não consegui fechá-los mais.

Mesmo assim, durante algum tempo, me paralisava toda vez que lia sobre todas as coisas sendo colocadas debaixo dos pés de Jesus definidas como as "coisas no céu, coisas na terra, e coisas debaixo da terra". Eu oscilava quando lia "como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos serão vivificados". Me angustiava ao ler a comparação entre Adão e Cristo em Romanos 5, onde através de um só homem todos estavam condenados, e da mesma forma através de Um Homem todos os homens foi dada a justificação que dá vida.

Por fim, peguei o livro (hoje esgotado) de novo e o li em uma noite. A minha vida mudou, e nos anos que se seguiram, procurei cada detalhe, cada objecção possível buscando o equilíbrio entre as declarações bíblicas sobre o julgamento divino e como elas se encaixavam na restauração final de todas as coisas.

Se a Bíblia é tão clara no ensino da reconciliação universal, com Paulo e João na dianteira, então seguramente deveríamos vê-la refletida tanto nos escritos dos primeiros líderes da igreja que ensinaram sob os ensinamentos dos próprios apóstolos assim como das gerações posteriores. E, certamente a vemos. Com efeito, essa foi nitidamente a visão mais dominante, especialmente nas igrejas de língua grega da Ásia onde Paulo ministrou, bem como na igreja de Alexandria no Egito, onde Tomé ministrou antes de ir à Índia.

Nas primeiras décadas, o evangelho estava mais restrito à Roma do que a outros lugares. Embora muitos entendessem grego, a língua dominante era o latim, e demorou mais para que as Escrituras fossem traduzidas para o latim. Os gregos e os romanos tinham interesses diferentes. Os gregos, com todas as suas estátuas clássicas tentavam retratar a virtude, a beleza e a perfeição: estavam em busca do ideal – do homem perfeito. Já os romanos tinham um império para administrar e controlar, e, por isso preocupavam-se principalmente em buscar a lei e a ordem.

E, assim, os cristãos romanos (como Lactâncio, Tertuliano e Agostinho) concebiam Jesus como o Deus da Lei e da Ordem. O conceito deles de justiça divina assimilava a ideia romana de que a fim de manter a lei e a ordem, e dissuadir o crime e a insubordinação era necessário aumentar a punição a níveis intoleráveis. Dessa forma, com o passar do tempo, uma pessoa podia ser executada por crimes relativamente pequenos. Isso acontece quando a dissuasão tem precedência sobre a justiça. O criminoso é descartado com uma punição excessiva mais rapidamente.

Em contrapartida, a lei bíblica preocupa-se com a justiça construída sobre o princípio básico de que a severidade do julgamento é sempre diretamente proporcional ao próprio crime. Logo, se alguém roubar 100, terá que pagar a sua vítima 200, nem mais nem menos. O fator dissuasório é sempre utilizável ao estabelecimento da justiça, e o criminoso é mais facilmente restabelecido através da justiça.

No direito bíblico, a justiça não é estabelecida enquanto a restituição total a todas as vítimas da injustiça não for feita. Já no direito romano, a "justiça" não é estabelecida até que o criminoso tenha sido punido, e que outros criminosos sejam dissuadidos de cometer o mesmo tipo de crime. Assim vemos, por exemplo, o advogado romano Tertuliano escrever em 203 d.C.,

"O quanto admirarei, o quanto rirei, o quanto me alegrarei, o quanto exultarei, quando eu contemplar tantos reis... gemendo no abismo mais profundo das trevas, tantos magistrados que perseguiram o nome do Senhor, dissolvendo-se em labaredas tão terríveis como jamais foram acesas contra os cristãos; tantos sábios filósofos sendo envergonhados em fogo ardente" (De Spectaculis, 30)

No mesmo ano (203 d.C.), Clemente de Alexandria fugiu para salvar sua vida durante a perseguição do imperador romano Severo após ter sido o líder da igreja em Alexandria durante 13 anos. Em Stromata, VII, 26 ele escreve:

"Deus não descarrega vingança, pois a vingança é devolver o mal por mal, e Deus castiga apenas com vista ao bem."

Mais uma vez, ao comentar 1 Timóteo 4:9-11, onde lemos que Ele é o Salvador de todos os homens, especialmente daqueles que creem, Clemente escreve:

"E como Ele é Salvador e Senhor se não o Salvador e Senhor de todos? Porém, Ele é o Salvador dos que creram... e o Senhor dos que não creram... pois todas as coisas estão acomodadas com vista à salvação do Universo pelo Senhor do Universo, tanto em geral como em particular... Mas as correções necessárias, através da bondade do grande Juiz Soberano, tanto por parte dos servos anjos, como por vários julgamentos prévios, ou pelo Juízo Grande e Final, obrigam os pecadores egrégios a arrependerem-se."

Por favor, desculpem-me suas longas sentenças típicas dessa época. Qualquer sentença que tenha mais de 15 palavras é hoje considerada como escrita de nível universitário, mas era normal antigamente. E assim vemos também nas frases de Paulo!

Clemente também escreveu em Stromata, VII, 6,

"Dizemos que o fogo purifica, não a carne, mas as almas pecadoras; não um simples fogo devorador, mas o 'fogo sábio' como chamamos, o fogo que 'penetra a alma' a qual atravessa.”

Clemente escreveu em Ecl. Proph., XXV, 4,

"O fogo é concebido como um poder benéfico e vigoroso, destruindo o que é básico, preservando o que é bom; portanto, esse fogo é chamado de 'sábio' pelos Profetas."

Onde Clemente foi buscar essa ideia de "fogo sábio" que purifica em vez de destruir? Com certeza, não foi da cultura egípcia que o rodeava. Segundo o livro The Birth of Purgatory (O Nascimento do Purgatório) de Jaques de Goff, páginas 19 e 20

"O Inferno Egípcio era particularmente impressionante e altamente refinado... O confinamento e a prisão desempenhavam um papel importante. As torturas eram sangrentas, e o castigo com fogo era frequente e aterrador... Quando se tratava da topografia do Inferno, a imaginação egípcia não conhecia limites... Os estados intermediários de fases no processo sobrenatural de purificação não existiam".

Jaques de Goff também nos informa na página 53 do contraste entre a visão egípcia do castigo divino e da visão dos primeiros cristãos,

"A partir do Antigo Testamento, Clemente e Orígenes tomaram a noção de que o fogo é um instrumento divino, e, do Novo Testamento, a ideia do batismo pelo fogo (Evangelhos) e a ideia de um julgamento purificador após a morte (Paulo).”

Poucos cristãos de hoje compreendem que a doutrina da igreja de um inferno ardente está muito mais próxima da visão egípcia do que da visão da igreja primitiva. O fato que os egípcios ensinavam tortura eterna, tanto no inferno como no purgatório, está em oposição direta ao ensino da igreja nos primeiros séculos. Mas, foi mais tarde que a igreja finalmente veio a concordar com o ensinamento religioso egípcio sobre o assunto.

Quando Clemente fugiu de Alexandria no ano 203, o seu mais brilhante aluno Orígenes o substituiu como líder da igreja em Alexandria. Depois de Paulo, Orígenes foi o primeiro grande teólogo da igreja, e os seus escritos foram os mais influentes de seu tempo. Apesar de Orígenes não ter originado a ideia da reconciliação universal, ele é hoje o Universalista mais conhecido de todos os tempos, simplesmente devido ao volume de seus escritos e à extensão de sua influência. Por isso, a reconciliação universal é muitas vezes chamada "Origenismo".